PORQUE PARTIR
Porque parti
Por Ricardo Gondim
Depois dos enxovalhos,
decepções e constrangimentos, resolvi partir. Fiz consciente. Redigi um
texto em que me despedia do convívio do Movimento Evangélico. Eu já não
suportava o arrocho que segmentos impunham sobre mim. Tudo o que eu
disse por alguns anos ficou sob suspeita. Eu precisava respirar. Sabedor
de que não conseguiria satisfazer as expectativas dos guardiões do
templo, pedi licença.
Depois de tantos
escarros, renunciei. Notei que a instituição que me servia de
referencial teológico vinha se transformando no sepulcro caiado descrito
pelos Evangelhos. Restou-me dizer chega por não aguentar mais.
Eu havia expressado
minha exaustão antes. O sistema religioso que me abrigou se esboroava.
Notei que ele me levava junto. Falei de fadiga como denúncia. Alguns
interpretaram como fraqueza. Se era fraqueza, foi proveitosa, pois
despertava para uma realidade: o Movimento Evangélico vinha se
transformando em cabide de oportunistas; permitindo que incompetentes,
desajustados emocionais e – por que não dizer? – vigaristas, se
escorassem nele.
Não há sentido em gastar
os poucos dias que me sobram em remendar panos rotos. Para que
continuar no mesmo arraial de pessoas que me desconsideram e que eu
desconsidero? Deixei de tolerar os bons modos de moralistas (sexuais)
que não se incomodam em transformar a casa de Deus em feira-livre.
Verdade, desisti.
Desisti, porém, de apenas um segmento religioso. Que eu já não trato
como lídimo representante do caminho do Nazareno. Larguei o esforço de
recauchutar um movimento carcomido de farisaísmo.
Mas saio assustado. A
fúria dos severos defensores da reta doutrina, confesso, me surpreendeu.
Há alguns anos experimento o peso do rancor religioso. Nada mais
perigoso do que um crente assustado; e nada que assuste mais um crente
do que a transgressão da ortodoxia. Amigos me voltaram as costas.
Estranhos se intrometeram em minha vida particular. Fui traído. Antigas
invejas se fantasiaram de zelo pela verdade, e parceiros se
transformaram em inimigos. Senti o escarro do desdém.
Embora tenha repetido,
não me deram atenção. Eu nunca me atrevi solucionar os paradoxos
filosóficos ou os mistérios teológicos que se arrastam há séculos. Não
sou ingênuo: as Esfinges modernas, iguais às míticas, devoram o fígado
de incautos que se imaginam donos da verdade.
Meu adeus foi ético.
Passei a evitar a parceria de gente a quem eu jamais confiaria a
carteira. Eu tinha que partir. Se critérios éticos não bastarem para
definir o acampamento onde cravamos nossa tenda, há algo muito errado em
nossa credibilidade. Nervoso com o carreirismo de gente que não hesita
em vender a alma, preferi caminhar por outra estrada.
Rejeito a bitola que
qualquer grupo - fundamentalista ou não – chancelou e recomendou. Não
aceito que tradição, escola ou cânone, cerceiem a minha capacidade de
arrazoar. Rechaço obediência servil. Odeio timidez intelectual. Aliás, a
única chancelaria que admito é da consciência. Creio que posso ser
movido pelo mesmo Espírito que inspirou, e capacitou, homens e mulheres
no passado. Erros teológicos, enquanto não produzirem intolerância, ódio
ou preconceito, tenho certeza, estão perdoados.
Quero reaprender a
viver. Vou buscar a trilha onde menos homens e mulheres andam de dedo em
riste. Anseio por fazer-me amigo de gente espirituosa, leve, risonha,
que sabe desafogar a alma.
Por condescendência,
alguém disse que não sou teólogo, apenas poeta. Apesar de não me achar
digno de ser chamado poeta, sorri de felicidade. Que honra! Poetas não
acendem fogueira. Tenho certeza que Miguel de Serveto gostaria de ver-se
na companhia de trovadores.
Pretendo amar e
apreciar, sem extravagância, as coisas mínimas: o tirocínio dos meninos,
o desabrochar da paixão na menina em flor, a conversa de bons amigos. E
no final do dia, ao rever as horas, saber celebrar a paixão de
simplesmente existir.
Saio para instruir-me na
adoração. Necessito transformar genuflexão em serviço. Quero descer do
alto dos meus privilégios e estender a mão ao mortiço que jaz em alguma
estrada poeirenta. Desisti de uma espiritualidade que se contenta em
implorar favores à Divindade. Em minha partida, acalento o desejo de
encarnar Deus. E assim dizer: não vivi em vão.
Soli Deo Gloria
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